Autor:PastorLawrence Máximo
O USO DO CREDO APOSTÓLICO
É essencial que os crentes entendam a necessidade de confessar a
sua fé (Mt 10:32; Rm 10:9). Confessamos a nossa fé no batismo, na Ceia do
Senhor, ao testificar aos incrédulos, ao dar bom testemunho na vida pública e
privada, e ao recitar o Credo no culto de adoração. Toda confissão pública
da fé deve ser feita com sinceridade, e deve vir acompanhada de uma vida de
compromisso com os valores do reino de Deus.
Até aqui todos estamos de acordo, mas ocorre que na América Latina
algumas igrejas evangélicas não dão muito valor ao Credo Apostólico. Não
se interessam em estuda-lo, nem em confessar a sua fé através dele. Esta
atitude surge de três erros. Primeiro, as pessoas se enganam ao identificar o
Credo com a Igreja Católica Romana, crendo que é um documento inventado
por ela. Segundo, como a Igreja Católica Romana tem a prática de conferir
autoridade divina a muitos de suas tradições, então, se teme que ela conceda
tanta importância ao Credo dos apóstolos, que se lhe estime na mesma altura que
a Bíblia. Terceiro, uma boa parte da igreja evangélica carece de consciência
histórica. Se existe algum interesse pelo passado, este se concentra no período
da Igreja primitiva, a qual se pretende chegar passando por toda a história que
media entre nós e a Igreja do livro de Atos.
Esta falta de interesse pode ser superada se considerarmos que ao
usar o Credo, o fazemos junto com a Igreja “universal” ao longo de toda a sua
história. A Igreja vem usando, quase desde o seu começo, muito antes que
existisse o romanismo que teve a sua origem com o papado. Mas, este estudo
provará que o Credo não é mais do que um resumo do que a Bíblia ensina. Ainda
que não seja errado que uma denominação conceda a um credo caráter de
autoridade, com todos os demais cristãos sabemos que somente a Bíblia possui
autoridade final e divina. O Credo está subordinado a Palavra de Deus. Então, é
importante que os crentes percebam o quanto o Credo provê um maravilhoso
recurso para confessar os pontos principais de sua fé.
QUAL A
ORIGEM DO CREDO APOSTÓLICO?
As regras de fé ou confissões não são uma novidade inventada pela
Igreja Católica Romana, ou no período moderno. Os judeus usavam Deuteronômio
6:4-9 como a sua confissão de fé, e a influência deste credo (que eles chamavam
o shema ), reflete claramente no Novo Testamento (cf. Rm 3:30; 1 Co 8:4-6; Gl
3:20; Ef 4:6; 1 Tm 2:5; 3:16; 2 Tm 2:8; 1 Pe 1:21; 3:18,22). O Novo Testamento
também nos entrega uma lista de pessoas que confessaram a sua fé: João Batista
(Jo 1:29, 34), Natanael (Jo 1:49), os samaritanos (Jo 4:42), os discípulos (Jo
6:14,69; cf. Mt 14:33), Marta (Jo 11:27), Tomé (Jo 20:28). Todavia, a confissão
mais conhecida foi a que Pedro formulou quando declarou que Jesus era “ o
Cristo, o Filho do Deus vivo ” (Mt 16:16).
Por dois motivos se fez necessário o surgimento do Credo.
Primeiro, a expansão missionária da Igreja, fez obrigatório o surgimento de uma
declaração de fé básica para instruir aos candidatos ao batismo (Mt 28:19).
Segundo, a heresia obrigou a Igreja de definir claramente a sua fé. A expansão
da fé cristã colocou a Igreja em contato com muitas culturas e filosofias pagãs
que ameaçavam introduzir-se no meio do povo de Deus. Por isto, desde o
principio percebeu-se a importância de preservar e confessar o ensinamento dos
apóstolos, o que a igreja antiga fez por meio de confissões e credos. O perigo
é denunciado claramente em Hb 4:14; 10:23; 1 Jo 2:22-23; 4:1-6,15; 5:1,5 onde
se reafirma e exige confessar a fé, ante o confronto com a heresia e/ou a
perseguição.
Não sabemos quem ou que pessoas escreveram o Credo Apostólico, mas
não há dúvida de que a sua origem remonta a tempos antiqüíssimos. Por exemplo,
tão antigo como o ano 107 d.C., Inácio (bispo de Antioquia) expunha a doutrina
verdadeira contra a heresia docética (veja mais a frente sobre a forma
trinitária do Credo). E para expor a regra de fé da Igreja usou as seguintes
palavras:
De maneira que, sejam surdos quando alguém vos fale sem Jesus
Cristo,
o qual foi da linhagem de Davi,
de Maria,
quem verdadeiramente nasceu,
comeu como também bebeu,
foi verdadeiramente perseguido sob Pôncio Pilatos,
foi verdadeiramente crucificado e morreu tendo por testemunhas os
céus, a terra e o que há sob a terra;
quem também verdadeiramente ressuscitou dos mortos, quando o seu
Pai o levantou.
Seu Pai, a sua semelhança, a nós os que nele cremos, nos
ressuscitará da mesma forma em Cristo Jesus, sem o qual não temos vida
verdadeira.”
(Carta aos Tralianos, ix.1-2)
Justino (cerca de 100-165 d.C.) outro mártir antigo, disse em sua
Apologia (I.61.10 ss ) que entre os cristãos no batismo se pronuncia “...em
nome do Pai do universo e Deus soberano... em nome de Jesus Cristo, que foi
crucificado sob Pôncio Pilatos, e em nome do Espírito Santo.” Também Irineu
(bispo de Lyon, cerca de 175-195 d.C.) disse em sua obra Adversus haereses
(I.x.1-2) que:
“A Igreja... recebeu dos apóstolos e seus discípulos
a fé em um Deus, Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra...
e em um Espírito Santo, o qual através dos profetas proclamou...
e no nascimento virginal,
a paixão,
e a ressurreição de entre os mortos,
e a ascensão em carne ao céu do amado Cristo Jesus, nosso Senhor,
e seu retorno do céu na glória do Pai, para recapitular toda as
coisas em um
e ressuscitar toda a carne de toda a raça humana.”
Estas são amostras de que a linguagem do Credo estava na boca da
Igreja desde os tempos antigos. Homens como Irineu (cerca 175-195 d.C.),
Tertuliano (cerca 160-215 d.C.) conheceram o Credo, afirmando que procedia do
tempo apostólico. Isto é confirmado pelas versões do Credo que podem ser vistos
nos escritos de Inácio (morto cerca de 98-115 d.C.), Justino (cerca 100-165
d.C.), Hipólito (cerca 215 d.C.), Cipriano de Cartago (250 d.C.), Novatiano de
Roma (250 d.C.), Orígenes (185-254 d.C.) e Agostinho (400 d.C.). O Credo de
Nicéia (325 d.C.) nada mais é do que uma elaboração mais detalhada do Credo
Apostólico.
O conteúdo do Credo é inspirado diretamente na doutrina
apostólica. Uma comparação entre os textos da Escritura demonstrará que a
dependência chega a escolher até mesmo as palavras. Que a linguagem do Credo
estava na boca da Igreja primitiva é possível perceber claramente pelos textos
de Rm 1:3-4; 8:34; 1 Co 15:1-4. De fato, a confissão da Igreja era simplesmente
a pregação da Igreja (cf. At 2:22-36; 3:15; 4:10; 5:30-31; 9:20; 10:36,39-40;
17:2-3,31; 18:5,28; 26:23). Por isto, tem suficiente direito de ser chamado
Apostólico. Calvino não se preocupava em saber quem era o seu autor. Para ele o
importante era que: “o mais importante que devemos saber é que nele se encontra
resumida e de modo claro toda a história de nossa fé e que nada contêm nele que
não se possa confirmar com sólidos e firmes testemunhos da Escritura”
(Institutas, II.xvi.18).
O TEXTO
DO CREDO APOSTÓLICO
As cópias mais antigas que possuímos são de Rufino (em latim 390
d.C.), e a de Marcelo (em grego, 341 d.C.). Estas duas versões são mais breves
que o Credo que conhecemos hoje. Falemos primeiro do texto de Marcelo, que foi
o bispo de Ancira (capital da Galácia). Aproximadamente nos anos 337-341 d.C.,
Marcelo escreveu uma carta ao bispo Júlio I, com o fim de provar-lhe a sua
ortodoxia. É com esta finalidade que inclui nela o que é a versão mais antiga
do Credo Apostólico. Toda a carta está em grego, sendo que nesse tempo era a
língua oficial da igreja. O Credo de Marcelo é claramente trinitário. Todavia,
a parte cristológica é muito mais ampla que a referente ao Pai e ao Espírito. A
estes três artigos trinitários básicos, Marcelo lhes acrescenta outros. O texto
mais breve de Marcelo diz assim:
Creio em Deus todo-poderoso
E em Cristo Jesus, seu único Filho, nosso Senhor,
Concebido pelo Espírito Santo e Maria virgem,
Crucificado sob Pôncio Pilatos, e sepultado,
E ao terceiro dia ressuscitou dos mortos,
Subiu ao céu e está sentado a destra do Pai,
De onde virá para julgar aos vivos e mortos;
E no Espírito Santo,
Una Igreja santa,
O perdão dos pecados,
A ressurreição do corpo,
A vida eterna.”
No presente estudo usaremos a versão que é conhecida hoje, e é
aceita por toda a Igreja cristã em todo o mundo, e que chamaremos de “Texto
Recebido” (650 d.C.). Nas lições usaremos referência a outras versões mais
antigas, como as de Marcelo e Rufino. Em sua divisão tradicional de 12 artigos,
o Texto Recebido declara:
1. Creio em Deus Pai Todo-poderoso, o Criador dos Céus e da terra.
2. E em Jesus Cristo, o seu único Filho, o nosso Senhor;
3. que foi concebido pelo Espírito Santo, nasceu da virgem Maria;
4. padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado;
5. desceu aos inferno, e ao terceiro dia ressuscitou dentre os
mortos;
6. subiu ao céu e está assentado a direita de Deus Pai
Todo-poderoso;
7. dali virá para julgar os vivos e os mortos.
8. Creio no Espírito Santo;
9. na santa Igreja católica, a comunhão dos santos;
10. o perdão dos pecados;
11. a ressurreição do corpo
12. e a vida eterna. Amém.”
A FORMA TRINITÁRIA DO CREDO
Foi o Concílio de Nicéia (325 d.C.) que formulou uma posição
conclusiva do dogma da Trindade. E ainda que o Credo Apostólico não entra na
discussão de forma detalhada quanto a cada pessoa da Trindade, confessa a fé em
um Deus Trino. O Credo está claramente dividido em três partes: O Pai e a nossa
criação, o Filho e a nossa redenção, o Espírito Santo e a nossa santificação.
Assim, tem se dividido o seu conteúdo em 12 artigos. Deve ser notado que a
parte referida ao Filho é a mais detalhada. A metade de seus 12 artigos está
dedicada ao Filho e sua obra da redenção. Tal é a importância de Jesus na
teologia cristã como o centro de nossa salvação. A primeira vista, pareceria
que a seção que fala do Espírito Santo foi a menos informativa, mas a verdade é
que a Igreja é vista em íntima relação com a obra do Espírito.
Desde o tempo apostólico, a Igreja teve que lidar com falsas
doutrinas, percebendo que era urgente produzir uma declaração de fé que
reprimisse o desenvolvimento das falsas doutrinas, especialmente no que
concerne a Santíssima Trindade. Por exemplo, houve um movimento chamado
arianismo (cerca 318-381 d.C.), que afirmou que o Filho não era Deus, mas que
havia sido criado pelo Pai. Outra seita também pregava que o Filho não era
Deus, mas que era uma espécie de emanação procedente da divindade. Assim, criam
que todo o mal se encontrava no mundo material, enquanto que tudo o que era bom
e belo estava no mundo espiritual. Seguindo esta linha de pensamento,
concluíram que o Filho de Deus não poderia fazer-se homem, porque isto lhe
exigiria assumir um corpo material mal. Isto os levou a dizer que o Filho teve
um corpo que somente parecia ser um corpo físico, mas que na realidade não era
(docetismo), e disseram que o Filho possuiu um homem comum chamado Jesus em seu
batismo e depois o abandonou antes de sua crucificação. João teve que enfrentar
estas idéias (1 Jo 4:1-6,15). Foi por isto que o Credo teve que formular a sua
doutrina com base na estrutura trinitária.
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Extraído do livro de Humberto Casanova e Jeff Stam, El Credo
Apostólico (Grand Rapids, Libros Desafio, 1998), pp. 14-22.
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