Capítulo 1 - A obra é
resposta às cartas de Próspero e Hilário
1. Sabemos que o Apóstolo disse na
Carta aos Filipenses:
Escrever-vos as mesmas coisas não me é
penoso e é seguro para vós (3,1). Contudo, escrevendo aos gálatas, ao constatar
que lhes transmitira pelo ministério da palavra o suficiente, o que considerava
essencial, diz: Quanto ao mais ninguém me obrigue a mais trabalho, ou como se
lê em muitos códices: Doravante ninguém mais me moleste (Gl 6,17).
Embora confesse que me causa desagrado
a falta de fé nas palavras divinas, tão numerosas e tão claras, que proclamam a
graça de Deus — a qual não é graça, se nos é outorgada de acordo com nossos
merecimentos - faltam-me palavras para mostrar minha estima por vós, filhos
caríssimos Próspero e Hilário, à vista de vosso zelo e amor fraternos em não
querer que continuem no erro os que pensam de modo contrário. Eis por que desejais
que escreva mais ainda apesar de tantos livros e cartas publicados por mim
sobre o assunto. E sendo tamanho meu apreço por vós à vista de tudo isto, não
ouso dizer que seja o que mereceis. Assim, torno a escrever-vos, e o faço não
porque tendes necessidade de mais esclarecimentos, mas apenas sirvo-me de vós
como intermediários para expor o que julgava ter feito suficientemente.
2. Havendo, pois, considerado vossas
cartas, parece-me perceber que os irmãos, pelos quais manifestais tão piedosa
solicitude, devem ser tratados como o Apóstolo tratou aqueles aos quais diz: Se
em alguma coisa pensais diferentemente, Deus vos esclarecerá, evitando, por um
lado, a sentença do poeta que afirmou: Confie cada um em si mesmo (Vírg.
Eneida, 1, II, V 309), mas acatando por outro lado o que disse o profeta:
Maldito o homem que confia no homem (Jr 17,5). Com efeito, ainda caminham às
cegas na questão sobre a predestinação dos santos, mas se a este respeito
pensam de outro modo, têm tudo para poder alcançar que Deus lhes revele a
verdade, ou seja, se perseverarem no caminho ao qual chegaram. Por isso, o
Apóstolo, após dizer:
Se em alguma coisa pensais
diferentemente, Deus vos esclarecerá, afirma em seguida: Entretanto, qualquer
que seja o ponto a que cheguemos, conservemos o rumo (Fl 3,15-16).
Esses nossos irmãos, alvos de vossa
solicitude e piedosa caridade, chegaram ao ponto de crer com a Igreja de Cristo
que o gênero humano nasce sujeito ao pecado do primeiro homem e que alguém se
livra deste mal somente pela justiça do segundo homem. Chegaram também a
confessar que a graça de Deus se antecipa às vontades humanas e que ninguém tem
capacidade de começar ou terminar uma boa obra por suas próprias forças.
Professando estas verdades, às quais
chegaram, distam muito do erro dos pelagianos. E se nelas permanecerem e
suplicarem àquele que concede o dom da inteligência e se pensarem
diferentemente acerca da predestinação, ele lhes revelará a verdade. Mas nem
por isso lhes neguemos o afeto de nossa caridade e o ministério da palavra,
conforme no-lo conceder aquele a quem rogamos que lhes possamos dizer neste
escrito o que lhes for conveniente e útil.
Quem sabe se nosso Deus não quer
fazer-lhes o bem mediante esta nossa disponibilidade, que nos leva a servi-los
na livre caridade de Cristo?
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A
Predestinação dos Santos - Santo Agostinho
http://www.lawrencemaximo.org/
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